sexta-feira, fevereiro 17, 2012

UM RETORNO AO MOVIMENTO DE JESUS


“Então voltou Jesus para a Galiléia no poder do Espírito; e a sua fama correu por toda a circunvizinhança. Ensinava nas sinagogas deles, e por todos era louvado. Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; e abrindo-o, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos” (Lucas 4:14-21).

UM RETORNO AO MOVIMENTO DE JESUS

            Dia 31 de outubro de 2008 a Reforma Protestante completou 491 anos. Em 1517 Martinho Lutero fixou um importante documento com noventa e cinco teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg na Alemanha. Inicialmente a luta de Lutero era apenas contra a cobrança de indulgências (pagamento por perdão de pecados). Posteriormente, o movimento se espalhou por toda a Europa e causou uma profunda mudança no mundo religioso e político com conseqüências tão profundas que sua influência mudou toda a história da humanidade ocidental até os dias de hoje.
            Este foi o grande legado da Reforma Protestante – O retorno à fonte do cristianismo, através da Escritura Sagrada. Desta forma, quando olhamos para o Novo Testamento e lemos sobre Jesus de Nazaré somos desafiados a continuar a Reforma refletindo naquilo que esta reforma ainda não reformou.
            À luz da Escritura queremos propor uma volta aos princípios básicos do movimento de Jesus Cristo. É importante lembrar que há uma diferença entre movimento de Jesus e cristianismo. O movimento de Jesus é aquele ocorrido na época que Ele viveu, que foi registrado pelos evangelistas. O movimento de Jesus é o cristianismo na sua essência. O que se denomina cristianismo ocorre num momento que consideramos posterior, quando já havia uma estrutura eclesiástica. Olhar para o movimento de Jesus é enxergar o cristianismo na sua forma original, ainda distante da interferência institucional e eclesiástica.
            Então, quais as características fundamentais do movimento de Jesus?

CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO MOVIMENTO DE JESUS CRISTO

1. JESUS CRISTO ROMPEU COM AS ESTRUTURAS DE PODER
O movimento de Jesus era um movimento de resistência do ser humano. Jesus Cristo nasceu, viveu e morreu num contexto de grande pressão. Por isso sempre vemos nas parábolas de Jesus uma presença forte desse elemento social de extrema pressão. O credor incompassivo (Mt. 18:23-35), o servo vigilante, os trabalhadores infiéis (Mt. 21:33-46), o rico e lazaro (Lc. 16:19-31), o juiz iníquo (Lc. 18:1-8). Quais sãos estas estruturas de poder?
A) Poder Religioso. Jesus enfrentou e rompeu com as estruturas do poder religioso. No texto de Lucas vemos Jesus entrando para ensinar numa sinagoga (Lucas 4:14,16). Por que Jesus valorizava tanto a Sinagoga em detrimento do Templo? Com certeza, podemos ver que há um grande conflito entre o Templo e a Sinagoga. O templo representava o poder religioso exercido por uma elite sacerdotal que se colocava entre o povo e o Deus Todo Poderoso.
Os maiores conflitos de Jesus se deram nesse campo religioso e teológico. Jesus ensinava que o espírito da lei era mais importante e que toda essa estrutura de poder não tinha valor aos olhos de Deus. Como Ele mesmo afirmou: “os últimos seriam os primeiros”.
B) Poder Político. Jesus enfrentou e rompeu com as estruturas de poder político. Em Marcos 12:13-15 temos a questão do tributo. Foi uma ação proposital dos fariseus em acusar Jesus de algum erro. É licito ou não pagar tributo aos romanos? Jesus ao pedir uma moeda já os condena por seu legalismo e afirma que deviam dar a Cesar o que é de Cesar, mas a Deus o que é de Deus. Ou seja, a terra não é de Cesar, mas de Deus. A vida humana não é de Cesar, mas de Deus, que criou o ser humano com liberdade. Toda a exploração do homem pelo homem não é aprovada por Jesus. Na história da cura do endemoniado geraseno, em Marcos 5:7-13 encontramos fortes indícios de resistência de Jesus ao poder político. Nesse caso específico Jesus pergunta o nome dos demônios (o que normalmente não acontece em outras situações). A resposta na palavra “Legião” (v.9) já é um forte indício de afronta ao poder de Roma, pois esta palavra não existia em aramaico e podia significar diretamente uma referência aos dominadores. Aos demônios ou à “legião romana” foi permitido entrar nos porcos (que era considerado um animal impuro para os judeus) e morrerem no despenhadeiro.

           2. JESUS CRISTO PREGOU A IGUALDADE.
            O movimento de Jesus era um movimento de libertação do ser humano. Jesus valorizou o ser humano em sua plenitude. Ele não preferiu um grupo em particular, mas pregou a igualdade ampla e irrestrita. Na contramão da nossa sociedade consumista, a pregação de Jesus valoriza o ser humano por ser e não por ter. “Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça (avareza); porque a vida do homem não consiste na abundância das coisas que possui” (Lucas 12:15).
            A) Jesus pregou a igualdade social.
            E por que havia tantos pobres no movimento de Jesus? Com certeza, pelo fato de serem a maioria naquela sociedade desigual. Por certo, a participação seria muito maior da parte injustiçada. Havia pobres, mas havia também ricos, que deveriam repartir o que tinham. José de Arimatéia (Lucas 12:21); Zaqueu (Lucas 19:2) e o jovem rico que não quis repartir sua riqueza (Mateus 19:20-21).
            Na pregação de Jesus havia um forte e evidente apelo de libertação, que poderia ser interpretado tanto de maneira espiritual e teológica, como também de maneira real e física – João 8:32.
            B) Jesus pregou a igualdade familiar.
            Ele não deu preferência ao homem ou à mulher, mas valorizou ambos. Assim como aconteceu com os pobres, esse nivelamento já colocou a mulher em um lugar muito além de sua realidade para a época. Dessa forma podemos afirmar com toda certeza que a mulher teve um lugar preponderante no ministério de Jesus.
            É o que podemos comprovar em Lucas 8:1-3 quando lemos que várias mulheres participavam ativamente do movimento de Jesus, inclusive prestando assistência com seus bens. Podemos confirmar essa presença feminina de forma clara no evangelho de João. Tanto poderia ser uma resposta evidente contra as cartas pastorais que já pretendiam calar as mulheres.
            Em João 2:5 vemos uma mulher (Maria, mãe de Jesus) dando ordens aos serventes (diáconos). Em João 4 encontramos um diálogo de Jesus com a mulher samaritana, que reconhece a messianidade de Jesus. Em João 11:27 Marta faz uma importante confissão: “Tu és o Cristo, Filho de Deus”. Em João 12:1-8 Jesus é ungido por Maria (irmã de Marta), o que demonstra a profundidade da sensibilidade feminina que já havia percebido, antes a morte de Jesus, a necessidade de uma preparação especial do seu corpo para a morte. Os discípulos não perceberam o que Maria fez e a criticaram, porém foram exortados por Jesus. Na crucificação vemos que o evangelho de João relata a presença das mulheres aos pés da cruz (João 19:25-17) e, finalmente em João 20:1-18 (Maria Madalena). Podemos ler com clareza que Jesus aparece primeiro às mulheres (Mt. 28:1-10; Mc. 161-11; Lc. 24:1-12) e as envia (apóstolas) para que anunciem aos discípulos as boas novas da ressurreição. Fato que o apóstolo Paulo não menciona em I Cor. 151-8. O movimento de Jesus é totalmente igualitário, as mulheres só foram sendo excluídas à medida que a igreja se aproximava do estado romano com sua conduta totalmente patriarcal.
           
            3. JESUS CRISTO SUPRIU AS NECESSIDADES BÁSICAS DO SER HUMANO.
            O movimento de Jesus Cristo era um movimento de redenção do ser humano.  Desde os primórdios da humanidade o ser humano tem buscado o contato com o sobrenatural ou com alguma forma de divindade. O ser humano sempre buscou algo para dar sentido à sua existência. O movimento de Jesus aconteceu num momento especial no tempo e na história para suprir as necessidades básicas de cada pessoa, transformando-os em seus discípulos. Jesus supriu as necessidades espirituais do ser humano.
            O texto de Lucas 4:16-21 mostra que o tempo de Jesus havia chegado. O texto narra que na Sinagoga Jesus leu a palavra profética de Isaías (Is. 61:1-2). Ele se assenta e todos o olham. Após alguns instantes ele afirma: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir”.
            Jesus supriu as necessidades espirituais, pois veio para cumprir as profecias que falavam sobre um redentor. Em Genesis 2:15 Deus promete um descendente de mulher para destruir a semente da serpente. Em Isaías 53:1-12 lemos uma profecia falando da morte do salvador, escrita há mais de seis séculos antes. A morte que foi o preço de sangue para perdão dos pecados. “...ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Isaías 53:5,6).
            Jesus veio no tempo certo, para cumprir os propósitos de Deus, conforme diz o apóstolo Paulo: “Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos rudimentos do mundo; mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo de lei, para resgatar os que estavam debaixo de lei, a fim de recebermos a adoção de filhos”. Gálatas 4:4-7.
            Jesus curava e alimentava as pessoas para mostrar uma redenção completa, como diz o pacto dos cristãos feito na cidade de Lausane. “Um evangelho pleno, para todo homem e para o homem todo”.
           
            CONCLUSÃO
      Outro grande ensinamento dos reformadores está sintetizado na expressão em latim: “Eclesia reformata et reformand est” - Igreja reformada sempre se reformando.  A Reforma protestante deveria ser apenas o grande começo de uma caminhada de retorno aos princípios esquecidos nas origens do verdadeiro cristianismo – Jesus de Nazaré. Esse retorno deveria seguir um processo maduro de continuidade. É necessário continuar reformando a cada dia e fazer isso implica em conhecer melhor as características do movimento de Jesus Cristo.
Romper com as estruturas de poder significa lutar contra o consumismo, contra o misticismo religioso sem fundamento, contra o elitismo sacerdotal e institucional que se coloca entre Deus e os homens. Pregar a igualdade significa dividir melhor as riquezas, alimentar e ensinar os famintos e pobres, clamar por libertação dos inocentes e escravos modernos.
Finalmente, para proclamar as boas novas de Jesus Cristo, que veio satisfazer e redimir o ser humano, devemos fazer esta pregação mais com nossas atitudes e menos com nossas palavras mentirosas e cheias de hipocrisia. Tudo isso para que não possamos ouvir uma declaração tão sincera como a de Mahatma Gandhi: “Eu quero tudo com seu Cristo, mas não quero esse cristianismo”.
Deus nos ajude!

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