sexta-feira, fevereiro 17, 2012

UM RETORNO AO MOVIMENTO DE JESUS


“Então voltou Jesus para a Galiléia no poder do Espírito; e a sua fama correu por toda a circunvizinhança. Ensinava nas sinagogas deles, e por todos era louvado. Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; e abrindo-o, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos” (Lucas 4:14-21).

UM RETORNO AO MOVIMENTO DE JESUS

            Dia 31 de outubro de 2008 a Reforma Protestante completou 491 anos. Em 1517 Martinho Lutero fixou um importante documento com noventa e cinco teses na porta da Igreja do castelo de Wittenberg na Alemanha. Inicialmente a luta de Lutero era apenas contra a cobrança de indulgências (pagamento por perdão de pecados). Posteriormente, o movimento se espalhou por toda a Europa e causou uma profunda mudança no mundo religioso e político com conseqüências tão profundas que sua influência mudou toda a história da humanidade ocidental até os dias de hoje.
            Este foi o grande legado da Reforma Protestante – O retorno à fonte do cristianismo, através da Escritura Sagrada. Desta forma, quando olhamos para o Novo Testamento e lemos sobre Jesus de Nazaré somos desafiados a continuar a Reforma refletindo naquilo que esta reforma ainda não reformou.
            À luz da Escritura queremos propor uma volta aos princípios básicos do movimento de Jesus Cristo. É importante lembrar que há uma diferença entre movimento de Jesus e cristianismo. O movimento de Jesus é aquele ocorrido na época que Ele viveu, que foi registrado pelos evangelistas. O movimento de Jesus é o cristianismo na sua essência. O que se denomina cristianismo ocorre num momento que consideramos posterior, quando já havia uma estrutura eclesiástica. Olhar para o movimento de Jesus é enxergar o cristianismo na sua forma original, ainda distante da interferência institucional e eclesiástica.
            Então, quais as características fundamentais do movimento de Jesus?

CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO MOVIMENTO DE JESUS CRISTO

1. JESUS CRISTO ROMPEU COM AS ESTRUTURAS DE PODER
O movimento de Jesus era um movimento de resistência do ser humano. Jesus Cristo nasceu, viveu e morreu num contexto de grande pressão. Por isso sempre vemos nas parábolas de Jesus uma presença forte desse elemento social de extrema pressão. O credor incompassivo (Mt. 18:23-35), o servo vigilante, os trabalhadores infiéis (Mt. 21:33-46), o rico e lazaro (Lc. 16:19-31), o juiz iníquo (Lc. 18:1-8). Quais sãos estas estruturas de poder?
A) Poder Religioso. Jesus enfrentou e rompeu com as estruturas do poder religioso. No texto de Lucas vemos Jesus entrando para ensinar numa sinagoga (Lucas 4:14,16). Por que Jesus valorizava tanto a Sinagoga em detrimento do Templo? Com certeza, podemos ver que há um grande conflito entre o Templo e a Sinagoga. O templo representava o poder religioso exercido por uma elite sacerdotal que se colocava entre o povo e o Deus Todo Poderoso.
Os maiores conflitos de Jesus se deram nesse campo religioso e teológico. Jesus ensinava que o espírito da lei era mais importante e que toda essa estrutura de poder não tinha valor aos olhos de Deus. Como Ele mesmo afirmou: “os últimos seriam os primeiros”.
B) Poder Político. Jesus enfrentou e rompeu com as estruturas de poder político. Em Marcos 12:13-15 temos a questão do tributo. Foi uma ação proposital dos fariseus em acusar Jesus de algum erro. É licito ou não pagar tributo aos romanos? Jesus ao pedir uma moeda já os condena por seu legalismo e afirma que deviam dar a Cesar o que é de Cesar, mas a Deus o que é de Deus. Ou seja, a terra não é de Cesar, mas de Deus. A vida humana não é de Cesar, mas de Deus, que criou o ser humano com liberdade. Toda a exploração do homem pelo homem não é aprovada por Jesus. Na história da cura do endemoniado geraseno, em Marcos 5:7-13 encontramos fortes indícios de resistência de Jesus ao poder político. Nesse caso específico Jesus pergunta o nome dos demônios (o que normalmente não acontece em outras situações). A resposta na palavra “Legião” (v.9) já é um forte indício de afronta ao poder de Roma, pois esta palavra não existia em aramaico e podia significar diretamente uma referência aos dominadores. Aos demônios ou à “legião romana” foi permitido entrar nos porcos (que era considerado um animal impuro para os judeus) e morrerem no despenhadeiro.

           2. JESUS CRISTO PREGOU A IGUALDADE.
            O movimento de Jesus era um movimento de libertação do ser humano. Jesus valorizou o ser humano em sua plenitude. Ele não preferiu um grupo em particular, mas pregou a igualdade ampla e irrestrita. Na contramão da nossa sociedade consumista, a pregação de Jesus valoriza o ser humano por ser e não por ter. “Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça (avareza); porque a vida do homem não consiste na abundância das coisas que possui” (Lucas 12:15).
            A) Jesus pregou a igualdade social.
            E por que havia tantos pobres no movimento de Jesus? Com certeza, pelo fato de serem a maioria naquela sociedade desigual. Por certo, a participação seria muito maior da parte injustiçada. Havia pobres, mas havia também ricos, que deveriam repartir o que tinham. José de Arimatéia (Lucas 12:21); Zaqueu (Lucas 19:2) e o jovem rico que não quis repartir sua riqueza (Mateus 19:20-21).
            Na pregação de Jesus havia um forte e evidente apelo de libertação, que poderia ser interpretado tanto de maneira espiritual e teológica, como também de maneira real e física – João 8:32.
            B) Jesus pregou a igualdade familiar.
            Ele não deu preferência ao homem ou à mulher, mas valorizou ambos. Assim como aconteceu com os pobres, esse nivelamento já colocou a mulher em um lugar muito além de sua realidade para a época. Dessa forma podemos afirmar com toda certeza que a mulher teve um lugar preponderante no ministério de Jesus.
            É o que podemos comprovar em Lucas 8:1-3 quando lemos que várias mulheres participavam ativamente do movimento de Jesus, inclusive prestando assistência com seus bens. Podemos confirmar essa presença feminina de forma clara no evangelho de João. Tanto poderia ser uma resposta evidente contra as cartas pastorais que já pretendiam calar as mulheres.
            Em João 2:5 vemos uma mulher (Maria, mãe de Jesus) dando ordens aos serventes (diáconos). Em João 4 encontramos um diálogo de Jesus com a mulher samaritana, que reconhece a messianidade de Jesus. Em João 11:27 Marta faz uma importante confissão: “Tu és o Cristo, Filho de Deus”. Em João 12:1-8 Jesus é ungido por Maria (irmã de Marta), o que demonstra a profundidade da sensibilidade feminina que já havia percebido, antes a morte de Jesus, a necessidade de uma preparação especial do seu corpo para a morte. Os discípulos não perceberam o que Maria fez e a criticaram, porém foram exortados por Jesus. Na crucificação vemos que o evangelho de João relata a presença das mulheres aos pés da cruz (João 19:25-17) e, finalmente em João 20:1-18 (Maria Madalena). Podemos ler com clareza que Jesus aparece primeiro às mulheres (Mt. 28:1-10; Mc. 161-11; Lc. 24:1-12) e as envia (apóstolas) para que anunciem aos discípulos as boas novas da ressurreição. Fato que o apóstolo Paulo não menciona em I Cor. 151-8. O movimento de Jesus é totalmente igualitário, as mulheres só foram sendo excluídas à medida que a igreja se aproximava do estado romano com sua conduta totalmente patriarcal.
           
            3. JESUS CRISTO SUPRIU AS NECESSIDADES BÁSICAS DO SER HUMANO.
            O movimento de Jesus Cristo era um movimento de redenção do ser humano.  Desde os primórdios da humanidade o ser humano tem buscado o contato com o sobrenatural ou com alguma forma de divindade. O ser humano sempre buscou algo para dar sentido à sua existência. O movimento de Jesus aconteceu num momento especial no tempo e na história para suprir as necessidades básicas de cada pessoa, transformando-os em seus discípulos. Jesus supriu as necessidades espirituais do ser humano.
            O texto de Lucas 4:16-21 mostra que o tempo de Jesus havia chegado. O texto narra que na Sinagoga Jesus leu a palavra profética de Isaías (Is. 61:1-2). Ele se assenta e todos o olham. Após alguns instantes ele afirma: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir”.
            Jesus supriu as necessidades espirituais, pois veio para cumprir as profecias que falavam sobre um redentor. Em Genesis 2:15 Deus promete um descendente de mulher para destruir a semente da serpente. Em Isaías 53:1-12 lemos uma profecia falando da morte do salvador, escrita há mais de seis séculos antes. A morte que foi o preço de sangue para perdão dos pecados. “...ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Isaías 53:5,6).
            Jesus veio no tempo certo, para cumprir os propósitos de Deus, conforme diz o apóstolo Paulo: “Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos rudimentos do mundo; mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo de lei, para resgatar os que estavam debaixo de lei, a fim de recebermos a adoção de filhos”. Gálatas 4:4-7.
            Jesus curava e alimentava as pessoas para mostrar uma redenção completa, como diz o pacto dos cristãos feito na cidade de Lausane. “Um evangelho pleno, para todo homem e para o homem todo”.
           
            CONCLUSÃO
      Outro grande ensinamento dos reformadores está sintetizado na expressão em latim: “Eclesia reformata et reformand est” - Igreja reformada sempre se reformando.  A Reforma protestante deveria ser apenas o grande começo de uma caminhada de retorno aos princípios esquecidos nas origens do verdadeiro cristianismo – Jesus de Nazaré. Esse retorno deveria seguir um processo maduro de continuidade. É necessário continuar reformando a cada dia e fazer isso implica em conhecer melhor as características do movimento de Jesus Cristo.
Romper com as estruturas de poder significa lutar contra o consumismo, contra o misticismo religioso sem fundamento, contra o elitismo sacerdotal e institucional que se coloca entre Deus e os homens. Pregar a igualdade significa dividir melhor as riquezas, alimentar e ensinar os famintos e pobres, clamar por libertação dos inocentes e escravos modernos.
Finalmente, para proclamar as boas novas de Jesus Cristo, que veio satisfazer e redimir o ser humano, devemos fazer esta pregação mais com nossas atitudes e menos com nossas palavras mentirosas e cheias de hipocrisia. Tudo isso para que não possamos ouvir uma declaração tão sincera como a de Mahatma Gandhi: “Eu quero tudo com seu Cristo, mas não quero esse cristianismo”.
Deus nos ajude!

A PRESENÇA FEMININA NA GENEALOGIA DE JESUS


INTRODUÇÃO

            A presença de nomes femininos na genealogia registrada no evangelho canônico de Mateus é um fato incomum e surpreendente, pois nos registros genealógicos dos livros canônicos normalmente não aparecem o nome das mulheres.
            Tamar, Raabe, Rute, Bate-Seba e Maria tiveram seus nomes incluídos nessa importante genealogia. Todas foram fortes e venceram suas batalhas pessoais e familiares. Todas sofreram e choraram para cumprir o seu papel de mulher e de ser humano. Com suas vitórias, todas deixaram seus nomes marcados para sempre na história.
            A presença dessas mulheres na genealogia de Jesus não é por acaso. Qual foi o propósito do escritor bíblico em registrar esses nomes? Por que razão ele mencionaria essas histórias? Qual a ligação delas com o nascimento de Jesus nesse contexto judaico-cristão na comunidade de Mateus? Nesse caso específico, qual era o objetivo do escritor-evangelista?
            Para compreender esta surpreendente citação feminina na genealogia de Jesus a presente pesquisa pretende seguir três pontos fundamentais: Primeiramente, analisar o pano de fundo contextual do evangelho de Mateus. Em segundo lugar, mostrar o significado do uso de genealogias naquele momento histórico e a sua importância como justificativa de autoridade. Em terceiro lugar, estudar a história de Tamar, Raabe, Rute, Bate-Seba para perceber as diferenças e semelhanças entre cada uma delas. Assim, será possível vislumbrar algumas respostas sobre o objetivo do escritor-evangelista ao fazer referência a cada uma dessas mulheres.
            Sobre a situação que moldou o evangelho de Mateus, provavelmente, há mais acordo do que sobre os demais evangelhos canônicos. Ao que parece o evangelista escreveu a sua carta em resposta ao período de transição que se segue à revolta judaica, em 66-73 D.C., e à transformação resultante tanto no judaísmo como no cristianismo. Possivelmente, Mateus tenha escrito seu evangelho em alguma época das décadas dos anos 80 e 90, para uma comunidade urbana na área da Síria.
            O propósito principal do livro é testificar que Jesus era o Messias da promessa do primeiro testamento e que sua missão messiânica consistia em trazer o reino de Deus até os homens.
            Para Jesus, na sociedade deveria haver lugar para todos: mulheres e homens, pobres e ignorantes. O reino de Deus, proclamação central de Jesus, é um reino ideal no qual não pode haver guerras nem dominação, tampouco fome e discriminação, pois todas as vidas são preciosas aos olhos de Deus.

A GENEALOGIA E SEU SIGNIFICADO

            A palavra genealogia deriva de duas palavras do grego genoς (raça) e logia (estudo) e pode ser traduzida por estudo da raça humana, da origem, da descendência e das relação entre famílias. No caso de algumas nações antigas, as genealogias se revestiam de grande importância, pois as sociedades eram organizadas segundo as linhagens tribais. 
            Na cultura dos hebreus, as genealogias preservavam as identificações tribais e as possessões sob forma de terras, sendo muito importante para uma cultura nitidamente agrícola.
            Os registros genealógicos judaicos contêm informações que se estendem por um período de mais de três mil e quinhentos anos, desde a história da criação de Adão até o cativeiro babilônico.
            Após o cativeiro babilônico, os judeus mostraram-se extremamente cuidadosos em preservar seus registros genealógicos. O historiador Flávio Josefo afirma que era capaz de provar que descendia da tribo de Levi, mediante registros públicos disponíveis. (De vita sua, par. 998). Ele também afirma que, a despeito dos cativeiros e dispersões sofridas por Israel, as tábuas genealógicas nunca foram negligenciadas. Durante o período de dominação romana, entretanto, houve grande destruição desses registros genealógicos e a preservação das linhagens tornou-se um empreendimento privado e, sem dúvida, inexato. Tanto as genealogias públicas quanto as bíblicas, com freqüência, envolviam muitos hiatos, alguns deles graves, pelo que consideráveis inexatidões penetram na questão, mesmo nos tempos antigos, antes do começo do cristianismo.
            Algumas das características particulares das genealogias dos textos bíblicos podem ser observadas em outros textos, principalmente nas listas de reis e governantes das nações vizinhas. Alguns estudos arqueológicos têm mostrado que as genealogias representativas, compostas de modo simétrico, eram uma prática comum entre povos vizinhos de Israel.
            Na lista de reis sumérios Mes-Kiag-Nanna é chamado de filho de Mes-anni-padda, mas descobertas arqueológicas têm mostrado que, na realidade, foi seu neto. Na Babilônia, desde os tempos dos Cassitas, era prática comum o uso da palavra mâr (filho de) fosse uada como sentido de descendente de.O rei Tiraca  (cerca de 670 A.C.) refere-se a Sesóstris III (cerca de 1870 A.C.) como seu pai, embora o espaço de tempo de mil e duzentos anos separassem um do outro. As genealogias árabes exibem o mesmo tipo de fenômeno.
            Dessa forma, é evidente que o uso de genealogias é uma demonstração de autoridade e poder, além de ser a confirmação da linhagem para reivindicação monárquica.
            A genealogia de Mateus, arranjada em grupos de quatorze nomes, mostra que o intuito era o de ser representativa e não completa. Quando o escritor do evangelho de Mateus inicia seu livro com essa genealogia ele está defendendo o reinado de Jesus, através da linhagem de Davi.
            Seja como for, o ponto principal ficou demonstrado: a intenção era mostrar que Jesus era descendente tanto de Davi como de Abraão, ficando assim evidenciado sua reivindicação à posição messiânica.
            A genealogia é dividida em três grupos, com quatorze gerações, como afirma o verso 17. Na verdade, porém o terceiro grupo contém somente treze nomes, e no segundo grupo três gerações são omitidas, conforme a evidência de I Crônicas 1 a 3, que o autor parece ter usado como fonte.
            Há um pensamento sugerido por alguns comentaristas, que a significação que o escritor achou no número “quatorze” é que os valores numéricos das consoantes hebraicas na palavra Davi dão como soma aquele número. Outros estudos vêem implicações mais ocultas no uso de números pelo autor de Mateus.
            Um detalhe que chama a atenção na genealogia do evangelho de Mateus é a citação de alguns nomes femininos.
AS MULHERES DA GENEALOGIA DE JESUS

TAMAR

            A primeira mulher citada na genealogia de Jesus é Tamar. A história de Tamar está registrada no livro de Gênesis 38:1-30.
            Tudo começa quando Judá, um dos filhos de Jacó se apartou dos seus irmãos e foi viver na casa de Hira, o adulamita. Nessa terra, um lugar onde haviam várias cavernas no território ao sudeste do que veio a ser a cidade de Jerusalém, ele casou-se com a filha de um cananeu chamado Sua. Casualmente, a história não menciona o nome de sua mulher cananéia. Desse casamento nasceram-lhe três filhos. Er, Onã e Selá. No devido tempo Judá casa o seu filho primogênito. A esposa escolhida para Er chamava-se Tamar.
            Pouco tempo depois desse casamento e antes mesmo de terem tido filhos Er veio a falecer e Tamar se tornou viúva e sem filhos. Pela lei do levirato (ou dever de cunhado) a mulher que ficasse viúva sem filhos deveria ser entregue ao irmão mais velho, para que fosse completada a descendência do irmão falecido. Essa lei também era chamada de a  prática do dever de cunhado.
            Dessa forma, Tamar foi entregue como esposa de Onã.
            Porém, por causa do orgulho em permitir que fosse dada a descendência ao seu irmão falecido, Onã viveu com Tamar evitando ter filhos, deixando o sêmen cair na terra sem que houvesse fecundação.
            Passados alguns anos Oná também veio a falecer e, mais uma vez, Tamar se tornou viúva sem filhos. Pela mesma lei do levirato Tamar deveria ser entregue ao próximo irmão vivo, chamado Selá.
            Entretanto, Judá não permitiu que assim acontecesse, pois considerou Tamar amaldiçoada pela morte dos dois primeiros maridos. Com a desculpa que o filho Selá ainda era novo para o casamento, Judá a enviou de volta a casa de seus pais.
            Algum tempo depois Judá viajou para Timma, para tosquiar ovelhas. Era uma época festiva entre os cananeus, quando o desejo sexual estava maia aguçado pelo culto cananeu que incentivava a fornicação ritual com magia da fertilidade. Tamar foi ao encontro de Judá e preparou um estratagema, pois percebeu que Selá já era homem e não lhe foi entregue como marido.
            Tamar se despiu das vestes da viuvez e usando um véu disfarçou-se de prostituta. Muito provavelmente Tamar posou como prostituta cultual, talvez para ter segurança dobrada em captar sua vítima. E dessa maneira Judá foi seduzido por Tamar, sem saber que era sua nora.
            Judá ofereceu um cabrito do rebanho como pagamento pelo agrado sexual e Tamar pediu como penhor o selo, o cordão e o cajado. Ele atendeu ao seu pedido e a possuiu; e ela concebeu dele. No outro dia ele não mais a encontrou.
            Passados uns três meses descobriram que Tamar estava grávida e a consideraram adúltera. Quando estavam para condená-la a morte por adultério ela anunciou que estava grávida do dono daqueles objetos: o selo, o cordão e o cajado. Dessa forma, Judá reconheceu que foi injusto com sua nora, não a tendo casado com seu filho Selá.
            Dessa relação incestuosa nasceram-lhe gêmeos. Perez e Zera. O nascimento também foi algo incomum. As crianças disputaram a progenitura antes de nascer, como aconteceu com Esaú e Jacó. Zerá colocou seu braço para fora e nele foi amarrada uma fita vermelha. Porém, Perez ainda nasceu primeiro e recebeu esse nome que significa “aquele que rompe a saída”.
            Assim, Tamar conseguiu ter filhos. Salvou a sua honra e a sua vida. Tamar agiu com astúcia e preservou sua vida e posteridade.
            Certamente, o escritor do evangelho de Mateus conhecia muito bem todos os detalhes humanos e irregulares dessa história. Tamar não foi citada por acaso e sua história continuava a falar séculos e séculos depois.
RAABE

            A segunda mulher citada na genealogia é Raabe. Esta história bíblica está registrada no livro de Josué 2:1-24 e 6:22-27.
            Raabe era prostituta por profissão. Esta história relata a espionagem militar  no momento da conquista da terra por Josué. O povo de Israel tinha passado vários anos no deserto, porém agora sob a liderança de Josué eles estavam batalhando para conquistar a terra de Canaã. Depois de vencerem vários reis eles acamparam em Sitim, quando se preparavam para invadir a cidade. Jericó era muito bem fortificada e protegida por altas muralhas.
            Para tomar conhecimento da cidade e preparar a invasão Josué enviou secretamente dois espiões a Jericó. Os espiões se hospedaram na casa de Raabe, a prostituta. A história bíblica conta que chegou ao conhecimento do Rei da cidade que haviam chegado alguns homens estranhos e suspeitos de serem enviados por Josué.
            Raabe enganou os soldados do Rei da cidade de Jericó dizendo que os espiões tinham saído de sua casa, porém ela os havia escondido no telhado da casa. Depois ela foi ter com os espiões e fez um pacto com eles.
            Raabe reconhece que havia um ambiente de temor em Jericó pela chegada do povo hebreu e certamente não havia como escapar da invasão. Num ato de fé, ela reconheceu que havia um poder especial na ação do Deus dos hebreus. Então, Raabe pediu que fosse poupada, ela e toda a sua família. Sendo assim, ela os ajudaria e protegeria. E assim foi feito.
            Raabe os ajudou fazendo-os descer por uma corda pela janela e no momento da invasão da cidade a casa de Raabe deveria ser marcada com uma fita vermelha que serviria como sinal.
            O assalto à cidade foi tremendo. Os soldados de Josué destruíram e saquearam Jericó, e todos os seus habitantes foram mortos. Porém, Raabe salvou a sua vida e a da sua família, como tinha combinado com os espiões.
            A vida de Raabe foi poupada e ela foi plenamente integrada na família dos hebreus, mesmo sendo uma mulher estrangeira. Ela assumiu plenamente a sua fé no Deus dos hebreus e habitou no meio de Israel integralmente. Ela se casou com Salmon e foram os pais de Boaz.
            Por sua fé e coragem ela foi fundamental na conquista da terra de Canaã e mesmo sendo uma mulher estrangeira e uma prostituta, foi reconhecidamente lembrada na genealogia de Jesus.
  
RUTE

            A terceira mulher citada na genealogia é Rute. Esta história bíblica está registrada no livro de Rute. A história de Rute contada no livro com seu nome é uma verdadeira lição de fé, esperança e amor.
            Nos dias de grande fome na terra uma família de judeus foi morar nas terras de Moabe. O homem chama-se Elimeleque e com ele foi sua mulher Noemi e seus dois filhos, Malom e Quiliom. Passados alguns anos Elimeleque veio a falecer e mais tarde seus dois filhos se casaram com duas mulheres moabitas. Uma chama-se Orfa e a outra se chamava Rute.
            Passados dez anos morreram ambos os filhos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada de seus dois filhos e de seu marido. Então Noemi se dispôs a retornar para a terra de Israel, pois o tempo da fome já havia passado.
            Quando estavam de partida Noemi sugeriu a suas duas noras que voltassem para a casa de seus pais. Orfa resolveu voltar, porém Rute se apegou a Noemi de tal maneira que foi com a sogra, mesmo sabendo da falta de perspectiva para ela.
            Elas voltaram e foram morar em Belém no princípio da colheita das cevadas. Era uma época de fartura. Por serem viúvas elas não tinham sustento e viviam com muita dificuldade. Assim, Rute vai à lavoura para rebuscar as espigas que caíam dos jacás dos catadores. A lei judaica permitia esse procedimento aos pobres, estrangeiros, viúvas e órfãos. Rute era uma mulher de trabalho e muito se sacrificava para ganhar o pão para sua casa e de sua sogra.
            Por acaso, ela foi rebuscar espigas na lavoura de Boaz, que era parente da família de Elimeleque, o finado esposo de Noemi. Boaz conheceu a moabita Rute e se admirou com sua tenacidade e fidelidade à sogra Noemi. Ele a agregou às outras trabalhadoras, deu-lhe condição de trabalho e até a chamou para comer do pão com ele.
            Rute ficou admirada com a bondade de Boaz e quis saber por que ele era tão generoso com ela, sendo ela uma mulher estrangeira. Boaz respondeu lembrando da experiência de Abraão dizendo que ela havia deixado pai e mãe, a terra onde nascera e veio para um povo que nem conhecia. Boaz abençoou Rute rogando que ela recebesse uma farta recompensa das mãos do Senhor, Deus de Israel, pois foi debaixo das asas dele que ela veio buscar amparo. A história bíblica mostra o desenvolvimento desse romance baseado na sinceridade, na esperança e na fé em Deus.
            Boaz se sensibilizou pela situação de Rute e resolveu torna-se o resgatador da família. O resgatador era uma possibilidade de restauração social prevista na lei judaica. Era o ato de reaver legalmente os bens da família ou mesmo as pessoas que fossem vendidas como escravas. Ou seja, se a família pobre precisasse vender sua terra, o parente mais próximo era obrigado a resgatar a terra, comprando-a de volta para o parente que a estava perdendo. Se o parente não pudesse comprá-la de volta e a pessoa que vendeu se enriquecesse depois, ele mesmo poderia comprar a terra pelo mesmo valor que a vendeu. Era um modo de preservar a família e evitar o desequilíbrio social.
            No caso de Rute houve uma junção da lei do resgate com a lei do levirato ou o dever de cunhado. Boaz casa-se com Rute para continuar a descendência da família, perdida através da morte de Quiliom.
            Dessa maneira, Rute teve a sua vida restaurada e a esperança se concretizou na restauração de sua família e a posteridade de sua casa. Ela encontrou finalmente a felicidade, como prêmio do seu trabalho, de sua abnegação e fidelidade. Mas, embora a sua moral fosse inatacável, tinha algo vergonhoso para qualquer judeu: era estrangeira. Pior ainda, pertencia aos moabitas, um dos povos mais odiados pelos judeus.
            Do casamento de Rute com Boaz nasceu Obede. A criança veio alegrar sobremaneira o coração de Noemi. Obede foi o pai de Jesse, este foi o pai do rei Davi.
            Rute, essa mulher especial deixa sua marca de integridade na história dos judeus. Este exemplo continua a falar continuamente. Esta moabita, que está presente na linhagem do rei Davi, foi muio bem lembrada pelo escritor-evangelista na genealogia de Jesus.

BATE-SEBA

            A quarta mulher citada na genealogia é Bate-Seba. Esta história bíblica está registrada no livro de II Samuel 11.
            Era uma mulher hitita, esposa de Urias, oficial do rei Davi. Vivia com o seu esposo em Jerusalém, perto do palácio do rei. Era muito bonita. Tão bonita, que o rei Davi se encantou perdidamente por ela. Aproveitando o fato de Urias ter partido para a guerra, o rei mandou chamá-la ao palácio, e se uniram amorosamente.
            Ela, então, ficou grávida. Para evitar o escândalo, Davi fez vir Urias da frente de batalha e deu-lhe uns dias de férias em sua casa, a fim de que este convivesse com sua mulher durante um tempo razoável e assim cobrisse as aparências.
            Mas Urias opôs-se a este privilégio, sabendo que os seus soldados estavam em plena guerra. Então, o rei fez com que o mandassem novamente para o meio da luta, ele retornou para a guerra levando uma carta para o comandante Joabe. Nessa carta havia a sua própria sentença de morte. Urias foi colocado na frente da batalha, na zona mais dura e de maior perigo. Deste modo, Urias morreu e Davi pôde ficar com sua esposa Bate-Seba.
            Algum tempo depois, um profeta, mediante uma comovedora parábola, fez ver a Davi o seu crime e o seu gravíssimo pecado. Davi, humildemente, reconheceu a sua culpa, arrependeu-se e pediu perdão. O adultério cometido por Davi foi o impulso para uma vida familiar totalmente tumultuada até o fim de seus dias.
            O primeiro filho de Davi com Bate-seba morreu ainda criança, Porém, outro filho do casal, Salomão, foi o sucessor de Davi e teve muita prosperidade e sucesso no seu reinado.

PRESENÇA FEMININA NA GENEALOGIA

            Certamente, a presença feminina na genealogia de Jesus é um fato incomum. Nas demais genealogias não se encontram nenhuma referência ao nome das mulheres. Sabe-se que as genealogias tinham seu objetivo histórico e até mesmo teológico. Existem algumas razões que podem ser analisadas, no caso da citação do nome de mulheres na genealogia de Jesus pelo escritor-evangelista Mateus.

A ACUSAÇÃO DE QUE JESUS NÃO ERA O MESSIAS, POR QUE SERIA FRUTO DE UMA UNIÃO ILEGÍTIMA.

            A primeira razão, aqui mencionada, que teria motivado o escritor-evangelista Mateus a citar o nome de mulheres na genealogia de Jesus é que pesava sobre Jesus uma séria acusação. Jesus não poderia ser o Messias, por que seria fruto de uma união ilegítima. Ele era filho de um carpinteiro pobre com uma mulher humilde, que carregava o estigma de alguém que tinha engravidado antes do casamento.
            Há uma relação muito forte entre as mulheres citadas na genealogia com a maneira  pela qual se deu o nascimento de Jesus. Tamar, Raabe, Rute, Bate-Seba tiveram um relacionamento fora dos padrões morais regulares.
            Esse argumento concorda com a afirmação de Saldarini (2000: p.278): “A irregularidade do nascimento de Jesus é preparada pela citação de quatro mulheres na genealogia, todas irregulares de um jeito ou de outro”.
            Nessa mesma linha, está o argumento do professor André Chevitarese (2006), quando escreve sobre o maior interesse das comunidades cristãs, a partir dos últimos decênios do primeiro século em diante, pela família de Jesus de Nazaré. Para defender seu ponto de vista, ele apresenta como um dos seus argumentos a teoria, que pode ser assim resumida:
            Há dois indícios na literatura cristã que deixam transparecer que algumas comunidades cristãs já conheciam a acusação formulada pelos seus opositores de que Jesus não poderia ser o Messias, na medida que ele seria o resultado de uma união ilegítima, sendo considerado filho da prostituição. Os responsáveis por essa acusação estão do lado de fora dos portões das respectivas comunidades, talvez ainda inseridos no judaísmo.
            O primeiro indício ocorre em um diálogo marcado pela tensão crescente entre Jesus e um grupo de judeus. O seu ápice estaria contido na seguinte passagem do Evangelho de João: “[Disse-lhes Jesus]: vós, porém, procurais matar-me, a mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus. Isto, Abraão não o fez! Vós fazeis as obras de vosso pai! Disseram-lhe, então: Não nascemos da prostituição, temos um só pai: Deus” (João 8:40-41).
            O segundo indício está no capítulo primeiro do evangelho de Mateus. Verifica-se ao longo da genealogia mateana a citação de cinco mulheres, dentre elas, Maria, da qual nasceu Jesus chamado Cristo.
            A narrativa mateana não deixa dúvida: o elemento comum nas narrativas relativas às vidas das cinco mulheres é a prostituição. Na sua genealogia, Mateus cita cinco mulheres, das quais quatro trazem o estigma da prostituição. É pouco provável que a quinta mulher, Maria, estivesse isenta da tal estigma.
            O professor André ainda cita mais três outros textos na literatura do século II, que podem ser usados com referência à acusação da ilegitimidade física de Jesus. O primeiro é o Proto-Evangelho de Tiago. Esse texto deixa claro que algumas comunidades cristãs estavam preparando um material com finalidade de defender a honra de Maria, particularmente no que se refere à sua concepção e ao seu parto virginal. O segundo é o Verdadeiro Discurso, de Celso (datado de 178 D.C.) citado parcialmente na obra de Orígenes, Contra Celso (de 248 D.C.). Nesse texto há o registro de acusações de Celso contra o nascimento ilegítimo de Jesus. O terceiro é Os espetáculos de Tertuliano. É um texto produzido por um cristão do norte da África, em 197 D.C., que recupera a acusação, que ele considera caluniosa, de que Jesus seria filho de uma prostituta.
  
ROMPIMENTO COM O JUDAÍSMO E A MISSÃO AOS GENTIOS.

            Uma outra razão que teria motivado o escritor-evangelista Mateus a citar o nome de mulheres estrangeiras na genealogia de Jesus é que essa citação sinalizaria um princípio de rompimento com o judaísmo e a abertura da missão do messias aos gentios. Tamar foi casada com o filho de Judá quando ele estava distante de sua família, morando com um Adulamita nas terras cananéias. Rute era moabita. Raabe morava em Jericó, cidade destruída por Josué.
            Historicamente há um fator que precisa ser observado. O contexto do evangelho de Mateus tem uma profunda ligação com o período pós revolta judaica dos anos 66-73 d.C. Donald Senior (1987) desenvolve muito bem esse argumento, que pode ser assim resumido:
            Para o judaísmo, a experiência arrasadora da revolta, incluindo a destruição de Jerusalém e do templo no ano 70 d. C., significou mudança radical na textura de sua vida religiosa. A variedade, que caracterizou o judaísmo pré-70, precisava abrir caminho para uma expressão mais homogeneizada a fim de sobreviver. Os fariseus eram os únicos com suficiente força moral e astúcia para coordenar a sobrevivência judaica. Sob sua liderança, centralizada em Jâmnia, os fariseus construíram o judaísmo na base de estreita fidelidade à lei, enquanto interpretada pelos fariseus.
            Esta consolidação de pós-70 significava menos tolerância para grupos marginais do que no período antes da revolução. Movimentos apocalípticos e cristãos eram vistos como enfraquecimento da ortodoxia judaica e, conseqüentemente, como ameaça à sobrevivência.   Como resultado, tais grupos foram expulsos das sinagogas durante o último trimestre do século I e os relacionamentos entre a Igreja e a Sinagoga se tornaram cada vez mais antagônicos.
            Dessa forma, visto que a identidade de Jesus e as implicações de sua mensagem eram os pontos básicos de tensão entre a Sinagoga e a Igreja e o catalizador definitivo no tocante ao deslocamento da igreja em direção aos gentios, não surpreende que a perspectiva de Mateus seja radicalmente cristológica. Jesus não é somente o proeminente filho de Israel, mas o inaugurador de uma nova época de salvação que se estende a todos os povos.
            Os suportes básicos para a perspectiva da missão aos gentios encontram-se em todo o evangelho de Mateus. Assim como pode-se ver no capítulo final, que mostra o estilo de atividade missionária da comunidade de Mateus.
            “E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho ordenado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos” (Mateus 28:18-20).

IMPORTÂNCIA DA PRESENÇA FEMININA NO MOVIMENTO DE JESUS.

            A terceira razão que teria motivado o escritor-evangelista Mateus a citar o nome de mulheres na genealogia de Jesus é que esse fato já é uma evidência da importância da presença feminina no movimento de Jesus.
            É impressionante como a literatura canônica e não canônica revela uma presença feminina marcante. As mulheres na genealogia são apenas um sinal dessa presença feminina que viria posteriormente. É muito forte a lembrança e o registro de vários nomes: Marta e Maria, amigas de Jesus; Maria Madalena, apóstola da ressurreição e as mulheres anônimas que deixaram sua marca: a mulher Siro-fenícia, a mulher de Samaria, a mulher impura que “roubou” um milagre de Jesus. O movimento de Jesus foi absolutamente revolucionário nesse aspecto da valorização da mulher como ser humano.
            Uma das características do movimento de Jesus na Galiléia foi a pregação da igualdade. Jesus pregou a igualdade em todos os sentidos. No movimento de Jesus não há preferência ao homem ou à mulher, mas há uma valorização de ambos. Assim como aconteceu com os pobres, esse nivelamento já colocou a mulher em um lugar muito além de sua realidade para a época.
            Dessa forma, pode-se afirmar que a mulher teve um lugar preponderante no ministério de Jesus. O que se pode comprovar no texto de Lucas 8:1-3, onde se lê que várias mulheres participavam ativamente do movimento de Jesus, inclusive prestando assistência com seus bens.
            Concordando com esse raciocínio, Elza Tamez no seu livro As mulheres no movimento de Jesus afirma: “As mulheres seguidoras de Jesus nos mostram duas coisas importantes: primeiro, Jesus sentiu uma inclinação especial pelos setores marginalizados, como os das mulheres, dos pobres e de todos os que sofrem discriminação; segundo, as mulheres encontraram no movimento de Jesus a esperança de que as coisas poderiam mudar, pois elas sempre haviam sido deixadas de lado”.
            Pode-se também confirmar essa idéia da valorização da mulher, de forma clara, no evangelho de João. Afirmam alguns que essa visão poderia ser uma resposta ao pensamento das cartas pastorais, que já pretendiam calar as mulheres, num momento que a Igreja se aproximava da possibilidade de receber o apoio do império romano.
            Em João 2:5 percebe-se uma mulher (Maria, mãe de Jesus) dando ordens aos serventes (diáconos). João 4 registra um diálogo de Jesus com a mulher samaritana, que reconhece a messianidade de Jesus. Em João 11:27 Marta faz uma importante confissão: “Tu és o Cristo, Filho de Deus”. Em João 12:1-8 Jesus é ungido por Maria (irmã de Marta), o que demonstra a beleza e a profundidade da sensibilidade feminina, que já havia percebido, antes de todos, a morte de Jesus. Somente ela percebeu a necessidade de uma preparação especial do corpo de Jesus. Os discípulos não entenderam o que Maria fez e a criticaram, porém  foram exortados por Jesus.
            Na crucificação, o evangelho de João relata a presença das mulheres aos pés da cruz (João 19:25-17) e, finalmente em João 20:1-18 pode-se ver com clareza que Jesus aparece primeiro às mulheres (Mateus 28:1-10, Marcos 16:1-11 e Lucas 24:1-12). e as envia (apóstolas) para que anunciem aos discípulos as boas novas da ressurreição, fato que o apóstolo Paulo não menciona em I Cor. 15:1-8.
            O movimento de Jesus é totalmente igualitário, as mulheres só foram sendo excluídas à medida que a igreja se aproximava do estado romano com sua conduta totalmente patriarcal.

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Resumo do Trabalho de conclusão do Curso de pós-graduação em História do Cristianismo Antigo apresentado na Universidade de Brasília.