terça-feira, novembro 29, 2011

Esperança Escatológica na Escritura

Introdução:

Escatologia é o ramo da teologia que estuda as últimas coisas, os acontecimentos finais. Estudar escatologia é buscar o conhecimento do fim do mundo e dos acontecimentos que virão. Alguns estudiosos também falam de escatologia como o “processo de esperança da salvação em Deus” (Volney Berkenbrock – A Escatologia na Bíblia).
Nesse sentido podemos perceber que escatologia, resumidamente, é o estudo que aponta para o futuro. Um futuro que virá sob a direção divina e mostrará uma nova realidade humana, concretizando a vitória absoluta do bem sobre o mal.
Esperança escatológica é uma expressão também usada por vários estudiosos das ciências bíblicas. Esperança escatológica é o somatório de dois termos muito fortes e de significado absolutamente profundo e motivador. Esperança e busca pelas últimas coisas. Com certeza, esperança escatológica é uma maneira mais profunda de exercitar a fé.
Esperança escatológica é o sentido mais profundo do sonho, da espera, da busca e do desejo pela “consumação dos séculos” dita por Jesus Cristo na grande comissão em Mateus 28:18-20. Esperança escatológica é a força que move o ser humano para a conquista de uma vida melhor. Esperança escatológica é a resposta divina para a superação dos grandes obstáculos que a vida naturalmente coloca diante de todos nós. É a vitória do amor sobre o ódio, da certeza sobre a dúvida, da paz sobre o medo, da vida sobre a morte.
O caminho da humanidade tem como combustível motivacional e espiritual essa esperança de melhores dias no futuro. A narrativa do texto bíblico de Gênesis 3:15 mostra a principal promessa divina sobre a esperança de redenção: “Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a sua descendência; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”.
Em face da desobediência humana o Deus criador afirma que a vitória virá. O filho descendente da mulher vencerá finalmente esmagando a cabeça da serpente. No novo testamento o Apóstolo Paulo explica muito bem o cumprimento dessa promessa na sua carta aos Romanos 5:12-21: “Porque, se pela ofensa de um só, a morte veio a reinar por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça, e do dom da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Para que, assim como o pecado veio a reinar na morte, assim também viesse a reinar a graça pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”(v.17,21).

A esperança escatológica na história bíblica

1. Abraão – o pai da fé.

Uma das lições mais profundas da vida de Abraão é a fé inabalável. Desde o começo até o final ele é um exemplo de esperança escatológica. Neste texto a seguir vemos o chamado de Abraão. Ele foi chamado para sair de sua terra e ir para outro lugar e esperar as promessas de Deus. Essa promessa seria bênção para todas as famílias da terra. “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome; e tu, sê uma bênção. Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Genesis 12:1-2).
Abraão foi chamado quando tinha 75 anos e Deus prometeu um filho legítimo (Gn. 12:4). O filho Isaque nasceu quando ele tinha 100 anos (Gn. 21:5).  Estava com 127 anos quando Sara veio a falecer. Ele  morreu aos 175 anos (Gn.25:7). Toda uma vida na esperança de dias melhores. Uma vida sintonizada entre presente e futuro. Este é um exemplo vivo de esperança escatológica.
Em Gênesis 15 encontramos o registro de um encontro de Deus com Abraão. O texto fala que depois de uma guerra Deus viu que Abraão estava abatido e triste. Então, o Senhor reafirma as primeiras promessas e manda que ele olhe para os céus e que conte as estrelas. A escritura diz que Abraão creu na promessa de Deus e isso foi lhe imputado como justiça. O apóstolo Paulo, depois,  explica, de forma objetiva, sobre o caráter da fé desse patriarca: “[Abraão]... o qual, em esperança, creu contra a esperança, para que se tornasse pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência; e sem se enfraquecer na fé, considerou o seu próprio corpo já amortecido (pois tinha quase cem anos), e o amortecimento do ventre de Sara; contudo, à vista da promessa de Deus, não vacilou por incredulidade, antes foi fortalecido na fé, dando glória a Deus, e estando certíssimo de que o que Deus tinha prometido, também era poderoso para fazer. Pelo que também isso lhe foi imputado como justiça. Ora, não é só por causa dele que está escrito que lhe foi imputado; mas também por causa de nós a quem há de ser imputado, a nós os que cremos naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor” (Romanos 4:18-25).
O escritor de Hebreus afirma de maneira muito clara: “Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, saindo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela fé peregrinou na terra da promessa, como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque esperava a cidade que tem os fundamentos, da qual o arquiteto e edificador é Deus” (Hebreus 11:8-10). 

2. Moisés – o libertador.

Moisés era uma pessoa tímida e medrosa, mas foi um grande líder usado como instrumento de Deus para libertação de Israel da escravidão do Egito. A escravidão já é um desafio para a esperança escatológica. Um povo chamado para transmitir os oráculos de Deus não poderia perecer e ser escravo eternamente. “Então disse o Senhor: Com efeito tenho visto a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheço os seus sofrimentos; e desci para o livrar da mão dos egípcios, e para o fazer subir daquela terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel. E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel é vindo a mim; e também tenho visto a opressão com que os egípcios os oprimem.  Agora, pois, vem e eu te enviarei a Faraó, para que tireis do Egito o meu povo, os filhos de Israel” (Êxodo 3:7-10). As orações chegaram aos ouvidos de Deus e Ele no seu tempo agiu poderosamente para cumprir a sua vontade e veio a libertar o povo da promessa. Promessa feita a Abraão e cumprida a cada dia sobre nós, como bênção a todas as famílias da terra.
É possível também perceber a esperança escatológica na jornada de Israel no deserto caminhando em direção à terra prometida. Um povo que sai de uma vida de escravidão no Egito e caminha em direção a um lugar desconhecido. Uma caminhada realizada absolutamente pela fé e confiança em Deus. Esta esperança esteve presente, também, na vida de Josué e Calebe. O remanescente fiel que foi premiado com a entrada e conquista da terra prometida.
Nesse sentido encontramos uma explicação neo-testamentária desse importante evento nas cartas paulinas. “Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés,  e todos comeram do mesmo alimento espiritual;  e beberam todos da mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os acompanhava; e a pedra era Cristo.  Mas Deus não se agradou da maior parte deles; pelo que foram prostrados no deserto.  Ora, estas coisas nos foram feitas para exemplo, a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram.  Não vos torneis, pois, idólatras, como alguns deles, conforme está escrito: O povo assentou-se a comer e a beber, e levantou-se para folgar.  Nem nos prostituamos, como alguns deles fizeram; e caíram num só dia vinte e três mil.  E não tentemos o Senhor, como alguns deles o tentaram, e pereceram pelas serpentes. E não murmureis, como alguns deles murmuraram, e pereceram pelo destruidor. Ora, tudo isto lhes acontecia como exemplo, e foi escrito para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos. Aquele, pois, que pensa estar em pé, olhe não caia. Não vos sobreveio nenhuma tentação, senão humana; mas fiel é Deus, o qual não deixará que sejais tentados acima do que podeis resistir, antes com a tentação dará também o meio de saída, para que a possais suportar” (1Co. 10:1-13). Dessa maneira, podemos perceber que a força que motivava a caminhada no deserto era a esperança escatológica. Por outro lado, a murmuração e a falta de fé foi o caminho para a perdição. 

3. Davi – ensino da esperança messiânica.

            Um dos reis de Israel que merece destaque na história bíblica foi Davi. Um homem chamado segundo o coração de Deus que sempre foi um homem de grandes contrastes. A história registra Davi como um homem revelado por sua força, sua fé e a sua fraqueza. Um rei escolhido e ungido para fundamentar a estrutura judaica que mereceu destaque pelo início da construção do templo.
            Um aspecto importante que podemos destacar da parte de Davi foram seus escritos em forma de poema. O livro de Salmos fazia parte da história de Israel por conter as letras das melodias cantadas por um povo responsável por conservar os oráculos de Deus. Davi é o maior compositor dos Salmos e em vários momentos fala da esperança escatológica através da vinda do Messias. O Messias representa aquele que haveria de vir para redimir e guiar Israel nos caminhos da eterna prosperidade.
            Os ensinos de Davi estão presentes nas poesias e expressões de louvor a Deus que encontramos no livro dos Salmos. Há vários salmos que contêm uma clara mensagem messiânica. O Salmo 69 fala do lamento do Messias. Já o Salmo 72 mostra o reino e o reinado justo: “Ó Deus, dá ao rei os teus juízes, e a tua justiça ao filho do rei. Os seus dias floresçam a justiça, e haja abundância de paz enquanto durar a lua. Domine de mar a mar, e desde o Rio até as extremidades da terra. Permaneça o seu nome eternamente; continue a sua fama enquanto o sol durar, e os homens sejam abençoados nele; todas as nações o chamem bem-aventurado. Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, o único que faz maravilhas. Bendito seja para sempre o seu nome glorioso, e encha-se da sua glória toda a terra. Amém e amém”(Salmo 72:1,7-8-17-19). Ele proclama a vinda do Messias. O Messias era a esperança escatológica encarnada. Era a ação divina de maneira triunfante e poderosa na vitória completa sobre os inimigos.

4. Jeremias - o exílio babilônico.

            Um dos eventos históricos que mais influenciou os escritos do Velho Testamento é o exílio babilônico. No ano 587 a.C. Jerusalém foi invadida e o templo sagrado foi destruído pelo rei Nabucodonozor. A maioria dos judeus foi levada como escravos para a Babilônia e este evento tão triste para os judeus foi previsto por vários profetas. Jeremias é um desses que  proclamou a vontade de Deus e a disciplina do Senhor.
            Aqui está a mensagem através de uma carta para os deportados para a Babilônia: “Assim diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel, a todos os do cativeiro, que eu fiz levar cativos de Jerusalém para Babilônia: Edificai casas e habitai-as; plantai jardins, e comei o seu fruto. Tomai mulheres e gerai filhos e filhas; também tomai mulheres para vossos filhos, e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; assim multiplicai-vos ali, e não vos diminuais. E procurai a paz da cidade, para a qual fiz que fôsseis levados cativos, e orai por ela ao Senhor: porque na sua paz vós tereis paz. Pois assim diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Não vos enganem os vossos profetas que estão no meio de vós, nem os vossos adivinhadores; nem deis ouvidos aos vossos sonhos, que vós sonhais; porque eles vos profetizam falsamente em meu nome; não os enviei, diz o Senhor. Porque assim diz o Senhor: Certamente que passados setenta anos em Babilônia, eu vos visitarei, e cumprirei sobre vós a minha boa palavra, tornando a trazer-vos a este lugar. Pois eu bem sei os planos que estou projetando para vós, diz o Senhor; planos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança. Então me invocareis, e ireis e orareis a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração. E serei achado de vós, diz o Senhor, e farei voltar os vossos cativos, e congregar-vos-ei de todas as nações, e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o Senhor; e tornarei a trazer-vos ao lugar de onde vos transportei.” (Jer 29:1-14).
            Assim, podemos aprender sobre a ação de Deus permitindo que seu povo fosse disciplinado. Nesse evento o povo deveria ir e viver em terra estranha, porém deveriam saber que estavam passando o sofrimento como disciplina  de Deus e que um dia eles iriam voltar. Essa esperança da volta deveria ser a sustentação da fé de um povo humilhado. Deus nunca os abandonaria. E assim se fez. No tempo certo eles voltaram para reconstruir a cidade e o templo novamente, Essa é a história registrada por Esdras e Neemias.

5. Novo testamento - Jesus Cristo e os Apóstolos: Paulo e João.

No novo Testamento, as palavras de Jesus Cristo, nosso Senhor, falam profundamente. Temos também as palavras dos apóstolos Paulo e João.
Jesus nos ensina que haverá um fim dos tempos e a consumação dos séculos: “Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim será também a vinda do filho do homem. Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres. Logo depois da tribulação daqueles dias, escurecerá o sol, e a lua não dará a sua luz; as estrelas cairão do céu e os poderes dos céus serão abalados. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão vir o Filho do homem sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com grande clamor de trombeta, os quais lhe ajuntarão os escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus” (Mateus 24:17-31).
O apóstolo Paulo escreve aos irmãos da cidade de Tessalônica e numa parte importante fala da vinda do Senhor: “Mas, irmãos, acerca dos tempos e das épocas não necessitais de que se vos escreva: porque vós mesmos sabeis perfeitamente que o dia do Senhor virá como vem o ladrão de noite; as vós, irmãos, não estais em trevas, para que aquele dia, como ladrão, vos surpreenda; porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas; não durmamos, pois, como os demais, antes vigiemos e sejamos sóbrios. Porque os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, embriagam-se de noite; mas nós, porque somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo-nos da couraça da fé e do amor, e tendo por capacete a esperança da salvação; porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançarmos a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele” (I Tess 5:1-10).
Finalmente, encontramos a esperança escatológica nos escritos do apóstolo João, especialmente em Apocalipse. É de fundamental importância a lembrança do contexto de Apocalipse. A carta escrita como uma revelação sobre os acontecimentos finais serviria de consolo para os primeiros cristãos que passavam por grandes perseguições e sofrimentos.  Única esperança daqueles primeiros cristãos era a pessoa e a obra de Deus através do seu Filho enviado para estabelecer a vitória final. O maior ensinamento do livro da revelação é a fé, a esperança e a vigilância: “Bem aventurado aquele que lê e bem-aventurados os que ouvem as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo” (Ap. 1:3). “Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra. Eu sou o Alfa e o ômega, o primeiro e o derradeiro, o princípio e o fim. Bem aventurados aqueles que lavam as suas vestes [no sangue do Cordeiro] para que tenham direito à arvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas. Aquele que testifica estas coisas diz: Certamente cedo venho. Amém; vem, Senhor Jesus (Ap.22:12-14,20).

Conclusão

     Diante do exposto, algumas considerações precisam ser reafirmadas:

  1. A Esperança escatológica é uma soma de fé, esperança e vigilância.
  2. A Esperança escatológica é a força que sustentou e tem sustentado os servos de Deus em todos os tempos.
  3. A Esperança escatológica é tão forte e importante quanto a concretização da promessa de Deus.
Assim, a maior lição que sustentamos sobre esperança escatológica é que ela não é apenas uma especulação sobre os acontecimentos futuros ou o entendimento correto das profecias e dos dias finais sem explicação coerente. Esperança escatológica fortalece a nossa vida espiritual e alimenta a alegria interior para manter a nossa fé inabalável. “Ora, a fé é a certeza das coisas que se esperam, e a convicção de fatos que não se vêem” (Hebreus 11:1).